Mais Bete Balanço por favor!

Bete Balanço – Cazuza

Ao ouvir a música Bete Balanço do imemorável Cazuza nos colocamos na situação no lugar do outro que vai ao encontro de certezas sobre o seu destino, nas incontingências entre o real e o imaginário.  Bete Balanço quer apenas a certeza diluída da realidade que a cerca, que alguém abrace o seu caos, seus sonhos, que a encontre dentro das suas verdades oníricas. Estaria a Bete morta e viva passeando sobre as suas veias, esperando um dia acordar? Qual seria o melhor pensamento ou uma das melhores alternativas para seguir a sua estrela, o seu brinquedo de “star”? Antes de mais nada é necessário salientar o papel do sonhador e da fantasia dentro da sua transição de ser e não ser.  Porque os melhores  sonhos podem estar adormecidos, despertar-se pode trazer um desprazer ou uma grande vontade de potência.

Waches Ich – eu desperto. O si mesmo sonolento dorme em relação a… sem se confundir com… Transcendente na imanência o coração vigia sem se confundir com o que o solicita. “O sono, olhado de perto, escreve Hursserl (Hursserliana IX, p. 209), só tem sentido em relação á vigília e traz em si mesmo a potencialidade do despertar”.”

Podemos imaginar que a Bete Balanço estivesse dormindo em cima do seu próprio sonho, o trocadilho que o Cazuza faz com a palavra “star” nos concede duas situações dentro do espaço potencial do existir. Star, traduzido direto do inglês significa estrela, no contexto inserido na música também representa a situação de estar com… Interiorizando os adjetivos como star confundido, star sem ação ou até star por star. A estrela cobre-se dentro do imaginário de idealizações que pode ser puramente infantis e é substancialmente um objeto transicional segundo a psicanálise Winnicottiana. Este objeto é o que ligaria o ser-bebê entre o sonho e a realidade.

“Supões-se que a tarefa de aceitação da realidade jamais se completa, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna, com a realidade externa. O alívio dessa tensão é oferecido por uma área intermediária da experiência que não é posta em dúvida (as artes, a religião etc.). Esta área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar da criança pequena que se “perde” ao brincar.” [“Transitional Objects”, p. 241]

O teu futuro é duvidoso
Eu vejo grana, eu vejo dor
No paraíso perigoso
Que a palma da tua mão mostrou

A partir do enunciado acima o que busca o homem através do misticismo? a resposta seria das mais diversas possível, porém, em um único crivo- transcender-se. A certeza de que o futuro será incerto pode ser uma garantia mais tátil fora solidez tóxica no contato com o outro. O pensamento além de si traz um espanto quando retorna o olhar dentro da esfera inicial, porque se encontrar hermeticamente dentro de um novo conhecimento noético, é se expandir dentro das possibilidades de ações contra a inércia existencial.

Quem vem com tudo não cansa
Bete balança, meu amor
Me avise quando for a hora

 Sabemos que os outros pode nos trazer uma expansão potencial dentro da ação de existir ou uma visão antipoética baseada nos arquétipos opressores da vontade de sentir. Quem vem contudo não cansa é a expressão de liberdade do próprio tesão diante da visão expandida do mundo, a sobra necessária para que depois as horas sejam esquecidas, o êxtase, a ligação com o uno.

Não ligue pr’essas caras tristes
Fingindo que a gente não existe
Sentadas, são tão engraçadas
Dona das suas salas

Não ligar paras as caras tristes fingindo que a gente não existe é ganhar a sua própria autonomia, é dá o próprio arrefecimento ao arrefecido. Quem finge que o outro não existe nega sua própria condição de transbordamento. Quando se absolve a própria ideia da consciência polis se é permitido deixar-se ser quem o outro é. Cazuza constrói no final do verso esse modo poético de ver o outro, mesmo “amargo” delineia-se como numa fotografia “Sentadas, são tão engraçadas, donas das suas salas”, retira-se a crença e limitação que o esse “Outro” nos impregnava. Bete Balança soube balançar, adquiriu o movimento necessário para tragar poeticamente o que e quem lhe tragava.

*Nesse contexto não considerei os aspectos históricos da música.

LÉVINAS, Emmanuel. Entre Nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 1993.

ABRAM, J. (2000) A linguagem de Winnicott. Dicionário de palavras e expressões utilizadas por Donald W. Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter.cazuza-4dc55d

Ronaldo Mullan

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